sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Gordos nós?
Em Portugal há cerca de quarto milhões de pessoas com problemas de obesidade, entre crianças rechonchudas a quem apetece apertar a bochecha, adolescentes de calça de cós descaído e duas dobras de chicha a sobrar do top mini e adultos gordalhufos e suados que dificilmente cabem nas minúsculas farpelas que teimam em vestir. Claro está que esta situação nota-se muito mais no Verão já que a visibilidade das protuberâncias gordurosas é inversamente proporcional à roupa que se traz vestida: uma camisola larga ainda disfarça alguma coisa, agora quando é preciso vestir uns calções ou fato de banho é que a porca torce o rabo, já que normalmente sobram pneus para tão curta carroçaria. Falo também por mim, claro, nos meus cento e muitos quilos de maus hábitos alimentares e alguma sedentaridade.
Todos sabemos que em Portugal não somos propriamente exemplos de nutricionismo. Gostamos de comer bem, e o problema é que comer bem significa um prato ou travessa de cagulo, com bastante molhanga, pão com fartura e uma boa vinhaça a acompanhar. Isto, claro, depois de já terem marchado umas fatias de presunto, umas rodelas de chourição espanhol e uns queijinhos a condizer. E quanto à azia, nada que uma boa bagaceira velha não resolva …
A gastronomia portuguesa está repleta de autênticas bombas calóricas como, por exemplo, as tripas à moda do porto, a chispalhada, feijoadas à portuguesa ou mais abrasileirada e o próprio cozido à portuguesa, onde normalmente o toucinho, o chispe, a orelha e os enchidos destronam facilmente as saudáveis couves e cenouras que enfeitam a travessa. Ainda por cima, uma pratalhada de favas guisadas com chouriço aos montes, pede um tintol de estalo, e facilmente se manda abaixo uma litrada de tinto. Isto se não estivermos a falar de mais de dois, claro, porque senão, venha o garrafão pr’á mesa.
E que dizer da propensão que os portugueses têm para as pastelarias? Basta olharmos para o caso de Peniche, onde dificilmente andamos quinhentos metros sem tropeçarmos numa pastelaria, normalmente a abarrotar de gente com os lábios lambuzados e os olhos a luzir de satisfação. E se reparamos bem, os bolos mais procurados são as imponentes bolas de Berlim, com aquele creme amarelo a escorrer pelas bordas, e depois uma série de bolos com nomes queques, como babas e tutus, onde a imagem de marca é o chantilly e o creme de pasteleiro que despertam a nossa gula. Para a ajudar à festa, ainda se inventaram mais umas coisas a que chamamos fast food, que mais não são do que tentações a aumentarmos o nosso pecúlio de gordura. Hambúrgueres, pizzas, lasanhas, cachorros e cachorrões, sabem muito bem mas, consumidos em excesso, são das causas principais das crianças e adolescentes inchados que abundam por aí. E se a tudo isto juntarmos a circunstância de, em regra, não sermos muito dados a exercícios físicos, facilmente nos apercebemos da dimensão do problema.
A verdade é que os portugueses estão a ficar gordos. Sempre tivemos uma certa tendência para as barrigas protuberantes (eu que o diga), mas agora estamos bem pior, com gente a passear carradas de celulite por aí e, pior que isso, com os corações a reclamarem melhor trato.
Nas escolas, já existe alguma preocupação com a higiene alimentar. Acho bem. Mas a verdade é que isso não chega. Comer bem é também uma questão cultural. Estou até em crer que, desde que moderadamente, se pode comer de tudo. Mas convém que os pais estejam atentos. Muito atentos. A educação alimentar dá trabalho mas vale a pena!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

As vacas devem estar loucas

Permitam-me que vos fale hoje sobre a vaca, esse simpático animal de olhos tristes que todos conhecemos tão bem, tal é a importância que o bichinho assume na nossa dieta alimentar. Perceberão mais adiante porque é que vos trago aqui hoje tão bucólico tema, numa altura em que porventura seria mais adequado falar de outras coisas eventualmente mais interessantes. Acontece que a vaca me pregou uma rasteira (ou terá sido ao contrário?), numa altura em que dela esperava mais cooperação (ou será que era mais atenção da minha parte?). Pois é. Nenhum animal foi mais estudado nos meus tempos de escola primária do que a vaca, como todos sabemos um simpático herbívoro ruminante, que se delicia com ervas frescas e que, à falta de melhor, como uma ração que, entre outras coisas, lá terá o sabor dos campos onde gosta de pastar. Foram milhentas as redacções onde, a propósito da Primavera e dos campos verdes ou de outra coisa qualquer, lá vinha a vaquinha, e mais o leite fresquinho que nos dava, e mais a suculenta carne que produzia. Bem, acho que esta parte da carne não era assim tão estudada na escola primária, até para não tirar o romantismo às redacções. Mas adiante. Não têm conta os desenhos, por sinal muito mal feitos já que o meu jeito para desenhar deixava muito a desejar, onde as vacas eram as artistas principais, invariavelmente num imenso espaço riscanhado de verde onde supostamente estariam a pastar. Mais tarde nas Ciências da Natureza, voltámos a atacar a vaca, salvo seja, claro, mas aí para percebermos melhor outras dimensões do metabolismo. Eis senão quando, muitos anos e muitos litros de leite depois, quando me perguntam em público um exemplo de um animal carnívoro numa daquelas provas tipo speedy gonzalez eu respondo vaca! Nem mais. Claro que toda a gente e eu próprio se torceu de espanto: a vaca um animal carnívoro? E então as redacções da quarta classe? E as ervinhas sabem a hambúrguer? E o leite vem com sabor a presunto, como uma certa marca de batatas fritas. Nada disso. Com a pressa, e porventura com a fome própria do adiantado da hora, o meu cérebro processou primeiro o bife e só depois o animal em questão. De qualquer coisa semelhante a carnívoro, apenas tens aqueles suculentos pedaços de carne que têm nomes curiosos como acém, pojadouro, alcatra ou simplesmente bife do lombo. Por isso, desculpa lá, estimada vaquinha, mas saiu-me aquela, estando eu farto de saber que tu és uma indefectível criatura herbívora. Mas deixa lá que vou pagar bem as minhas penas. Os meus amigos já se encarregaram de moer o juízo, com piadas de circunstância sobre a nova categoria biológica em que situei a minha dieta alimentar. E os meus inimigos, também não deixarão passar em claro a oportunidade. Quanto ao resto, continuarei a achar-te um animal simpático, pese embora possas ter posto em causa um belíssimo cruzeiro para oito pessoas, que cairia que nem ginjas. Mas o jogo é assim, umas vezes ganha-se, outras perde-se. E comigo, poucos são os jogos que ganho. Bem, dizem que quem não tem sorte ao jogo … Será verdade?

terça-feira, 21 de julho de 2009

Varanda de Pilatos

Quem se dirige ao Farol do Cabo Carvoeiro tropeça inevitavelmente com a minúscula placa que aponta para a falésia : Varanda de Pilatos. E se a curiosidade for maior que a preguiça de sair do carro, vamos encontrar uma janela debruçada sobre o mar com a Berlenga ao fundo e a Nau dos Corvos a espreitar de esguelha. E não fora um inusitado e desconfortável odor resultante da falta de civismo de quem gosta de aproveitar estes locais para alívios fisiológicos de circunstância, poderíamos dizer que se trata de um local de encher o olho e a alma, tal é a sensação que dali se desfruta.
Confesso a minha total ignorância sobre a razão de ser do nome do lugar, embora não me pareça que o Pôncio, governador da Judeia em nome dos romanos nos primeiros anos da era cristã, tenha alguma coisa a ver com isso. Aquilo que retemos de Pilatos é um certo lavar de mãos quando a turba o levou a condenar Jesus Cristo à crucifixação e a libertar Barrabás, abdicando do que a consciência porventura lhe ditaria em nome do politicamente “correcto”, pelo menos para a altura. Acrescentaria eu que deu início a um ritual que se prolongou através dos séculos e que continua a ser seguido amiúde por muitos agentes, políticos e não só, dos nossos tempos.